Thursday, December 31, 2009

India


Vendedor de Flores, Bombaim


Templo Tamil em Mamalapuram, Chennai


Mulher a rezar na margem do Ganges, Varanasi


Mendigos, Varanasi


Mesquita masjid, Taj Mahal, Agra

Taj Mahal visto do Great Gate, Darwaza-i rauza, Agra

Traseira de um autocarro, Calcutá

Dia 122: 1 de Outubro de 2009 – Agra, India
5h00- Noite cerrada, acordo suado e impertinente com o despertador do telemóvel depois de uma noite desconfortável e mal dormida. Duche frio, ponho o pólo comprado há um mês atrás no Bangladesh, os calções falsos comprados no Sri Lanka há umas semanas atrás, as sandálias havainas compradas no Brasil há uns anos e os óculos Ray-Ban falsos comprados há 2 meses atrás na China. A indumentária completa não chega aos 10 euros. Em viagem é totalmente desaconselhado levar peças caras ou com valor sentimental. O melhor é levar o mínimo e ir comprando roupa quase descartável pelo caminho. Perdi, roubaram, esqueci-me no estendal ou na lavandaria… faz parte da viagem e mais vale não sofrer com isso.

Saio da Guesthouse Sai Palace com todos a dormir. Já na rua vejo os mendigos, as crianças, os seguranças de lojas a dormir ao relento no passeio, os motoristas de riquexós a dormir dentro dos mesmos, um idoso de sari a tomar o seu duche matinal de cócoras numa bica no passeio, uma vaca despreocupada a caminhar lentamente pela estrada. Estou na Índia, o segundo país mais populoso do Mundo, e, onde muitos não têm um tecto para se abrigar. A rua é a casa do povo.

Chego à bilheteira do West Gate às 5h40, ainda está fechada, só abre daqui a 20 minutos, sou o primeiro a chegar, quero ser o primeiro a entrar. Estou à porta de uma das novas maravilhas do mundo, O Taj Mahal, e a experiência de ver outras maravilhas do mundo diz-me que não vou ser o único, que não existem épocas baixas. Por dia o Tal Mahal recebe mais de 10 000 pessoas de todo o mundo, todos os dias, o ano inteiro. Todas vão querer fazer as suas fotos, comprar os seus souvenirs, visitar os museus, fazer comentários… e eu sou apenas mais um, mas um que gosta de ter o seu espaço e tempo para fazer as fotos, um desenho daquele detalhe, umas notas no diário e perceber a energia do lugar sem filas, esperas, encontrões ou 10 000 pessoas nos planos que quero fotografar.

Compro o meu bilhete já com algumas dezenas de pessoas na fila e apresso-me para entrar no recinto. Uma primeira praça simétrica conduz-me ao Great Gate, o Darwaza-i rauza, onde, tenho pela primeira vez, uma vista desimpedida das cúpulas branco pérola do Mausoléu mais icónico do Mundo. Faço as minhas fotos com calma enquanto chegam centenas de indianos e turistas de toda a parte do mundo, Americanos, Europeus, Japoneses, Chineses, Árabes, Australianos…

O Taj Mahal é sem dúvida uma maravilha do mundo, e este estatuto sobressai pelo facto de ser na Índia. Num país de cidades sobrepovoadas, imundas de lixo e fezes de vaca, terrivelmente quentes e mal cheirosas, edifícios a ruir, restaurantes gordurosos, água venenosa, trânsito caótico, vendedores invasivos e sem escrúpulos, um destino em que a nossa existência se torna basicamente uma sobrevivência, o Taj Mahal é o oposto de tudo isto. Um jardim espaçoso e imaculado, espelhos de água cristalina, um piso de mármore polido onde somos obrigados a andar descalços, e uma simetria clássica de um edifício que é o excilibris da arquitectura Mughal.

O Taj Mahal é aquele lugar místico em que nos voltamos para dentro, que nos faz pensar na nossa vida, na nossa própria existência e sentido do mundo. Sento-me em frente ao Taj Mahal neste ultimo dia da viagem com que tanto sonhei e que vê o seu epílogo neste éden. Faço um rewind mental das coisas que vivi na Índia, das cerimónias dos mortos no Ganges em Varanasi, dos mendigos em estado post-mortem em Calcutá, dos indianos que conversei nas extensas viagens de comboio, dos pratos picantes e oleosos comidos com a mão direita, dos templos cravados na rocha em Mamalapuram, da odisseia de 40 horas de autocarro em autocarro de Chennai até Goa, do hippie que conheci e me tornei amigo em Anjuna, dos produtores e actores de cinema que conheci em Mumbai, da estação caótica de comboios de Dehli… mas também faço um rewind do que vivi desde o início desta viagem que comecei em Portugal, desde que comecei a viajar, desde aquele primeiro interrail há quase dez anos em que me apercebi que o mundo é um lugar tão rico e interessante para se conhecer. Em como existem sempre lugares melhores, piores, mas acima de tudo, diferentes dos que já conhecemos. A capacidade que, mesmo os lugares que já conhecemos nos podem oferecer outras experiências que não tivemos e a capacidade que têm de nos surpreender.

Este dia no Taj Mahal aconteceu há 3 meses, e escrever sobre ele parece que aconteceu há 3 anos atrás, pois continuo em viagem, desta vez em Moçambique, para onde vim viver um outro sonho, desta vez a dois, o de viver um período em África. Chego ao fim de 2009, um ano em que tudo aconteceu, satisfeito, realizado, tranquilo, com um check nos objectivos que me propus, e penso no próximo, 2010. O que quero fazer? Projectar? Escrever? Fotografar? Viajar? Sim, sim, sim e definitivamente Sim

Um obrigado aos que acompanharam a viagem, o blog e que continuam a pedir-me novidades, fotos, histórias.
Um 2010 de checks nos vossos objectivos
Leituras:
Mark Tully "India in Slow Motion"
Paul Theroux "The Elephanta Suite"

Saturday, October 17, 2009

Sri Lanka

Fachada da Loja Cargills, Colombo

Detalhe no templo Hindu Kovi, Colombo

Praia de Unuwatuna

Templo budista Gangaramaya Vihara, Colombo

Escola primária no Gangaramaya Vihara, Colombo

Fim de tarde em Hikkaduwa

Comboio de Colombo para Galle

Dia 108: 17 de Setembro de 2009 – Tangalle, Sri Lanka

8h00- Acordo com o som repetitivo e ao mesmo tempo explosivo das ondas que quebram a poucos metros da janela do meu quarto do hostel Ocean Wave. É engraçado como os nomes dos Hotéis, Resorts, Pousadas que estão perto do mar têm o mesmo nome em toda a parte do mundo, e como muito poucas vezes têm pouca ou nenhuma relação com a realidade: Sunset Beach hotel, Blue Ocean Hotel, Sandy Beach Hotel, Paradise Bay Hotel… Um hotel chamado Ocean Bay View pode, e muitas vezes é, um prédio em ruína com uma entrada lamacenta no meio de uma cidade portuária, em que, pela janela do quarto, isto se existir, vemos, não um coqueiro inclinado sobre areia branca, mas a roupa interior de alguém a secar num pátio interior húmido com musgo. O Ocean Wave, excepção à regra, é um achado, em que por menos de 4 euros por noite, adormeço e acordo com o som do beach break a menos de 50 metros da porta do meu quarto. Saio de dentro da rede mosquiteira, abro a janela, está um dia lindo, outra vez.
Mergulho e surfada matinal numa prancha alugada Match 7-7 que já viu melhores dias. Uma onda perfeita e curta quebra ao lado de um molhe construído após o tsunami de 2004 que atingiu gravemente toda a costa do Sri Lanka. Surfo sozinho, hoje, ontem e todos os dias que fico em Tangalle. Não há crowd, nem há sequer turistas. É época baixa e todos os hotéis estão vazios. Para agravar mais a situação da recuperação pós tsunami, os Tamil Tigers, um grupo separatista do norte do Sri Lanka atacou edifícios do Governo em diversos pontos do país. O exército Singalês contra-ataca, os media cobrem e fazem as machetes que vendem jornais e revistas por todo o mundo: Guerra, Sangue, Morte… no Sri Lanka. “They (turists) stopped coming after the tsunami, and when it was getting better, the Tamil Tigers frightened them. But this summer we hope they come again. We need them” Diz-me o manager do Ocean Wave esperançado com os próximos meses. A época alta começa em Novembro e vai até Abril/Maio, altura em que a Monção se prepara para tomar conta dos céus.
Tomo um pequeno-almoço de fruta, ovos, panquecas, tostas e café com leite. É tão bom, barato e servido num bungalow de sonho que até eu me sinto injustiçado ao ler isto. Menos de 2 euros para um festim deste género que me serve de pequeno almoço e almoço.
De barriga cheia volto para cybercafé para acabar de escrever o blog que comecei há uns dias atrás. Uma pequena sala no 1ºandar de um hotel serve-me de escritório nos dias que estou em Tangalle. Momentos depois ouço vozes de crianças na praia. Olho para janela do cybercafé para me deparar com uma multidão de crianças vestidas de branco, o uniforme da escola, com sacas de rede a apanhar o pouco lixo que havia na praia. Garrafas de plástico, sacos, latas são catados do areal com uma alegria extrema por parte dos pequenos. Para eles é um jogo de recreio. Desço para falar com a professora, também vestida de branco, de pele morena e sorriso imaculadamente branco, que me cumprimenta e responde num inglês colonial pausado:
"Can I ask you what are you doing?"
"We clin the beach!"
E começa ela a perguntar-me as perguntas da praxe: "Where from? Alone? Like Sri Lanka?..."
Volto à questão: "Why are you cleaning the beach?"
Ela responde-me de uma forma natural, como se fosse óbvio:
"We clin the beach because we want to show our respect towards the Sea.
Five years ago, we had the tsunami because we were littering our beaches, building too much and too close to the shore, killing sea animals for no reason. We were disrespecting the sea and he turned against us.
Now we teach our children to respect the sea. We are Buddhist you know!"
Entretanto um grupo de estudantes sorridentes começam a rodear-me e a fazer perguntas e a professora apresenta-me num misto de Singalês e Inglês. Pouco depois entram todos no autocarro da escola e fazem-me adeus.
Minutos depois fico sozinho a ver as ondas a quebrar em frente ao molho e a pensar no quão simples, sábias e bonitas foram aquelas palavras que acabei de ouvir de uma professora primária mais nova que eu, que nunca saiu daqui, que provavelmente nunca irá a lado algum e me deu uma lição de vida sem me pedir nada em troca…












Thursday, September 17, 2009

Bangladesh

Fim de tarde em Kuakata, provincia de Borisal


Rio Buriganga, Dhaka


Mulher de Sari em Khulna


a caminho de Kuakata


paisagem inundada do Bangladesh, a caminho de Jessore



Dia 100: 9 Setembro de 2009 – Borisal para Kuakata
, Bangladesh

O capitão do "rocket boat" bate à porta da minha cabine às 5h40. Abro e ele diz-me "Good morning Sir! We arrived Borisal! We leave at six." Arrumo as coisas rapidamente e desembarco no pequeno cais de Borisal, uma cidade portuária a sul de Dhaka. É noite cerrada, não há turistas claro... estou no Bangladesh.
Um rapaz a mascar tabaco com uma t-shirt esburacada e queimada do sol cumprimenta-me: "Good morning Sir! Want Rickshaw?" Estou demasiado sonolento para pensar, ler as páginas copiadas do Lonely Planet ou andar pelas ruas lamacentas de Borisal à procura do autocarro para Kuakata. Digo-lhe monossilábico "Kuakata! Bus!" e sigo extremamente desconfortável num riquexo para a estação de autocarros sul, um descampado lamacento e deserto onde dezenas de autocarros ferrugentos exibem os seus destinos em Bengali. Olho para o rapaz do riquexo e pergunto-lhe qual deles vai para Kuakata
"Which bus goes to Kuakata?"
ele responde "Yes Sir! Bus!"
"Which bus?"
"Yes Bus!
Desisto, pago-lhe 50 takas (50 cêntimos) e vou a uma das barracas de estrada perguntar.
Mais tarde embarco num autocarro lotado. Toda a gente olha fixamente para mim. Homens brancos no Bangladesh são uma raridade. É o acontecimento do dia num país que vê apenas algumas centenas de turistas por ano.
Seguimos para sul numa estrada asfaltada pelo meio dos campos alagados de arroz. Vejo uma placa a dizer "Kuakata 97 km" o que me faz questionar o Lonely planet que diz que a viagem demora 4 a 5 horas. A esta velocidade nesta estrada não devemos demorar mais que 2 horas. A resposta a este enigma revelou-se uns 20 km a sul de Borisal.
O Bangladesh é o país onde desaguam o rio Ganges e o rio Brahmaputra, dois dos maiores rios da Ásia cujos estuários ocupam grande percentagem da área total do país. Na altura das monções os rios funcionam no máximo do caudal e toda a área do estuário fica alagada. As monções são entre Julho e Setembro, ou seja, agora.
Passamos a cidade de Patuakhali e a estrada termina no que me parece ser um cais. Um rio interrompe a estrada e o autocarro pára. Ninguém sai... Na outra margem um cais semelhante, no rio um barco a libertar um fumo negro denso, transporta um autocarro, um tractor e várias motas. É o ferry que faz a ligação entre margens. Atraca no nosso cais, a "carga segue caminho" e nós subimos ao barco plataforma. Uns 300m depois estamos à outra margem e continuamos para sul. Tivemos sorte pois o barco sai quando tem carga suficiente, isto é, quando não cabe mais nada.
Mais 10 km para sul novo ferry; desta vez parado na margem sul. Aqui todos os passageiros do autocarro saem para conversar e beber chá nas barracas de estrada. Saio tambem. Sou a novidade da vila. Especialmente as crianças que correm para me ver e ficar a olhar fixamente. Vários rapazes abordam-me para me perguntar a nacionalidade das mais diversas formas: Country? Address? Nationality? Where from? Alone? O motorista do autocarro oferece-me um chá e com um tom de orgulho apresenta-me à plateia como amigo dele.
O barco chega e embarcamos. Mais uma travessia e mais alguns km até ao novo ferry. Percebo as 4 ou 5 horas e duvido que consigamos.
Novo cais, nova espera pelo ferry. Aqui conheço um rapaz que vai de moto para kuakata e oferece-se para me levar "faster than bus". Já só faltam 25 km e de moto posso parar quando quiser para tirar fotos. Aceito e apanhamos um barco mais pequeno que tranporta passageiros e motos, sem ter que esperar pelo ferry dos carros.
Montado em cima da moto sabe-me bem ter saído daquele autocarro lento, lotado e húmido. Paramos para tirar fotos e reparo numa nuvem negra que se aproxima. Não passam sequer 5 minutos e começa a chover torrencialmente. A monção na sua fúria máxima. Guardo tudo o que é electrónico dentro dum saco estanque. Visto o impermeável para perceber que não é assim tão impermeável. Foram necessários apenas mais 10 minutos para ficar completamente ensopado. A estrada, agora de terra batida torna-se um lamaçal e tenho que sair da mota para não atolar... porque é que não fiquei no autocarro...

leituras: Alvin TOFFLER "Future Shock"

Wednesday, September 16, 2009

Nepal

Detalhe "Newari architecture" no hotel em Kathmandu


O meu irmão a analisar os 160m do desfiladeiro do rio Bhote Kosi, antes do salto...


Women's festival, Durbar square, Kathmandu


Baba no templo de Pashupatinath, Kathmandu

Terraços de arroz nos arredores de Pokhara

Dia 82: 22 Agosto de 2009 – Zhangmu, Tibete para Kathmandu, Nepal


Acordamos em Zhangmu, no Tibete, a última cidade na China antes de passar para o Nepal.
Zhangmu é uma cidade de fronteira numa ravina que desce do planalto tibetano a 5000 m para o planalto do Nepal, a 2000 m. Uma descida de 3000 metros em menos de 50 km em que a paisagem muda de um deserto árido e rochoso com picos nevados para uma floresta tropical densa e húmida. A "friendship highway", a estrada que liga Lhasa a Kathmandu, é um dos percursos terrestres mais fotogénicos que podem existir. Do céu azul turquesa do Tibete passamos para uma estrada que serpenteia desfiladeiros cobertos dum nevoeiro denso, que de quando em quando desvendam cascatas de centenas de metros de água gelada proveniente dos Himalaias.
Depois de um controle fronteiriço apertado, em que guardas chineses revistam câmeras fotográficas, postais, livros, souvenirs à procura de imagens do Dalai Lama e outros ícones Tibetanos, passamos para o Nepal. A diferença é drástica, não pelo cenário, mas pelo nivel de relax das pessoas. De guardas chinese Han tensos, mal encarados com perguntas tipo: Where is your guide!? Permit!!! Passport!!! Look straight!!! Go!!! NEXT!!! passamos para guardas sentados em poltronas de pele com a espuma a sair pelas costuras, a fumar cigarros e a sorrir "Where are you from? Portugal! nice! Welcome to Nepal! O Nepal é, declaradamente, a entrada num novo lugar, o sub continente indiano. Sinto-me aliviado de sair da China
Apanhamos uma pick up para Kathmandu com mais dois backpackers. Abro, pela primeira vez o guia Lonely Planet Nepal. Leio a introdução e percebo que entre muitas coisas, o Nepal é um destino de desportos radicais "eco", isto é, rafting selvagem, escalada por cascatas, btt downhill... e um que me chama particularmente a atenção, o maior Bungee Jump da Ásia, de 160 m, a 10km da fronteira com o Tibete. Pergunto ao motorista se sabe onde é. Ele diz-me: "Of course! It's there!" e aponta para uma ponte muito frágil de cabos de aço que atravessa o desfiladeiro do Rio Bhote Kosi. Nunca fiz bungee na minha vida. Gosto de sensações fortes. Olho para o meu irmão: Vamos saltar!...

leituras: Chris BONINGTON "Everest the Hard Way"

China

Detalhe na Cidade Proibida, Pequim


Estádio Olímpico "Bird's Nest" the Herzog & de Meuron, Pequim


"blossom flower tea", Pequim


Cidade antiga de Kashghar, Província de Xinjiang


Comerciante de gado, Kashghar, Xinjiang


Lago Karakul, Xinjiang, fronteira da China com o Paquistão, Afeganistão e Tajiquistão


Palácio Potala, Lhasa, Tibete


Mt. Qomolangma aka Mt. Everest, o topo do mundo a 8.848m, Tibete


Mulher Tibetana na "Friendship Highway" em direcção ao Nepal



Dia 71: 11 Agosto de 2009 – Lago Karakul, Xinjiang, China


Acordo às 7h com uma melodia que tem tanto de familiar como de distante, um toque de telemóvel. Há tanto tempo que não tenho telefone que simplesmente já não me lembrava da existência dos mesmos e do quanto comprometem a nossa liberdade. É o telemóvel do João Pedro, um amigo de longa data que vive na China há mais de dois anos. Fomos ter com ele a Shanghai, onde vive e trabalha. Tirou uma semana de férias para irmos juntos para Xinjiang, a província mais ocidental da China, conhecida como a nova fronteira, o portal de acesso a paises como o Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão e Paquistão.
Xinjiang, embora dentro do país China, é uma região completamente distinta do resto da China, pela sua cultura maioritariamente muçulmana, os Uigurs. À semelhanca do Tibete, é uma região administrativa autónoma da China, que tem a particularidade de não ter um Dalai Lama e daí nunca aparecer nas brochuras turísticas ou notícias ocidentais, a não ser, claro, quando algo trágico acontece, que foi o caso no dia 5 de Julho em Urumqui, capital de Xinjiang, há um mês atrás.
Desde o início da viagem que falo com o João por mail acerca do que iríamos fazer juntos, onde íamos, como iríamos... Ele, viajante convicto, já tinha visitado quase todas as províncias da China à excepção de Xinjiang. Eu proponho: "Vamos lá!" Após os motins em Urumqui no início de Julho, os media ocidentais inundaram as notícias e os emails de imagens bélicas da província de Xinjiang. O João envia-me um email com essas mesmas imagens e diz-me por telefone: "Aquilo está feio..." e pensamos num plano B, que passava por viajar por províncias no Sul da China, às quais ele já tinha ido, e, desta forma, ele não viria. Passam-se alguns dias e já em Pequim, alguns dias antes de partir para a Coreia do Norte, volto a falar com por telefone: "John! Marca essas férias. Vamos juntos para Xinjiang!"
Atendo o telefone do João. É o Horácio, o pai do João a perguntar onde estávamos pois tinha acabado de saber que houvera novos motins em Urumqui. Um avião vindo do Afeganistão, suspeito de conter bombas, foi desviado e gerou uma manifestação Uigur e consequentes "acções tranquilizantes" por parte dos militares chineses Han que patrulham intensamente a cidade num estado de sítio permanente.
Digo-lhe, tranquilizando-o, que estamos no Lago Karakul, perto da fronteira com o Paquistão, a mais de 15oo km de Urumqui, longe de quaisquer tumultos.
Saio do Yurt (tenda nómada) onde dormíamos e vou à procura do João para lhe contar. Ele está a tirar fotos na margem do Lago Karakul, com um chapéu Kazakh e todas as roupas que trouxe vestidas. Estamos a 3600 m de altitude e a temperatura ronda os 5 graus. Conto-lhe sobre o telefonema. Conversamos sobre as tensões Han-Uighur enquanto presenciamos o nascer do sol no Karakul, rodeado por cumes nevados com mais de 7000 metros, sem dúvida um dos lagos mais bonitos em que estive, numa província em estado de sítio...

leituras: Bradley K. MARTIN "Under the Loving Care of the Fatherly Leader: North Korea and the Kim Dynasty" (só comecei a ler este livro após regressar da Coreia do Norte, uma vez que é proibido dentro País)

Coreia do Norte

Painel do "Great Leader Kim Il Sung", nas ruas de PyongYang


As avenidas de 16 faixas num dia de semana, PyongYang


Guardas na DMZ (Zona desmilitarizada entre Coreias), Panmunjom


Norte Coreanas visitam a casa onde o Great Leader nasceu, Mangyondae


Cooperativa agrícola em Wonsan


Mulheres em traje de cerimónia preparam-se para a dança comemorativa do Victory's day



Dia 61: 1 Agosto de 2009 – PyongYang, Coreia do Norte para Dandong, China


Após o controle de fronteira em Sinuiju, Coreia do Norte cruzamos o Rio Yalu para Dandong, China. O sentimento é, e nunca o esperaria, de alívio de chegar à China. Alívio de voltar a ser um ser vivo, livre e com direito a pensar e expressar esse mesmo pensamento.
Em viagem existem aqueles momentos chave, sejam eles no princípio, meio, fim ou mesmo pós viagem (o que é mais comum em viagens de curta duração) em que percebemos que todo o esforço, todo o dinheiro gasto, todos os recursos dispensados para a realização da mesma foram pagos, foram repostos com uma experiência única e inigualável. A Coreia do Norte representou esse equilíbrio nesta viagem... E embora ainda tenha mais dois meses "de estrada" pela frente, tudo o que vier será um acrescento. A viagem está paga!
Uma semana na Coreia do Norte foi o suficiente e, o máximo que recomendo, para visitar o que é o país mais hermeticamente fechado do mundo e da realidade como a conhecemos.
Para um viajante insaciado e intrépido é natural começar a agrupar mentalmente os países segundo certas generalizações e imagens colhidas ao longo das viagens "esta praia faz-me lembrar o Caribe", ... "esta paisagem faz-me lembrar o Atlas Marroquino ou o Planalto Andino", ..."é uma típica cidade do Sudeste Asiático".... Este tipo de raciocínio surge naturalmente como surgem os temas nas prateleiras de uma livraria ou biblioteca: livros de ficção, poesia, científicos, arte e por aí. Se tivesse que arrumar o país "Coreia do Norte" na minha biblioteca pessoal este teria decidamemente uma prateleira própria, mais até teria uma sala própria, e na outra sala estariam todos os outros países.
O turismo na Coreia do Norte é uma jogada política do governo Norte Coreano para mostrar "abertura ao mundo ocidental" por interesses próprios. A Coreia do Norte nao quer turistas, pois estes são ameaças ao "paraíso" socialista que lá se vive e mancham o regime com a sua sujidade e imperialismo capitalista.
Desta forma, viajar pela Coreia do Norte é algo semelhante a ir a um cinema ver um filme - obra prima de Propaganda - em que a KITC (Korean International Tourism Company), promotora e realizadora do filme, nos conduz ao nosso lugar, pressiona o play, mostra apenas as partes que lhe interessa, censurando todas as outras, permanece durante toda a projecção do filme, controla a direcção do nosso olhar, controla a sala e todas as pessoas que lá trabalham, não permite diálogo durante o filme e quando terminado, conduz-nos à saída, isto é, a China.

No entanto, por mais exaustivo e eficiente que seja o controle, os turistas que vão à Coreia do Norte vão ler as entrelinhas das legendas, as partes que não é possível cortar, imagens e sensações dadas por um sexto sentido muito mais apurado que permite ter uma ideia do que lá se passa, e que, apenas torna tudo muito mais desafiante e gratificante.
Nao é um destino para gostar, é um destino para nos mudar, para mudar a nossa percepção do mundo e de nós próprios, para nos explicitar, da forma mais arrebatadora, a sorte que temos de não ter nascido lá...


leituras: Robert BYRON "The road to Oxiana"

Thursday, September 10, 2009

Mongolia

Ulan Bator: cavaleiros no Naadam Festival


A caminho do deserto de Elsen Tasarkhai


Acampamento no Lago Ugii


Criança Mongol no lago Ugii


Águia real no mosteiro Erdenezuu


O nosso "hotel" em Lun


Dia 44: 15 julho de 2009 – Lago Ugii para Lun, Mongólia

Acordamos na margem do Lago Ugii, a uns 200 km a Oeste de Ulan Bator.
Arrumamos a tenda enquanto o Batai, o nosso guia Mongol, um estudante de Gestão de Ulan Bator, nos prepara um pequeno almoço. Comemos em frente ao lago, sob um céu cinzento e uma paisagem completamente verde.
Seguimos para Este, em direcção a Lun, por uma auto estrada Mongol, ou seja um vale com vários quilómetros de largura onde carros, camiões, motas e gado circulam livremente por caminhos de terra batida ou simplesmente descampado .
Paramos em Dashinchilen, uma "cidade" que me faz lembrar o Wild West retratado nos filmes Norte Americanos de cowboys: uma única rua de terra batida e areia, casas de madeira, um mini mercado, um bar com uma mesa de snooker no exterior, cavalos amarrados e algumas motos. O nosso jipe é o único carro na cidade. Tomamos banho nos balneários da cidade, dois chuveiros ao lado do barbeiro. Tivémos sorte pois só funcionam duas vezes por semana, hoje (quarta-feira) e domingo. Almoçamos no único restaurante de Dashinchilen, "dumplings" com carne. Vou comprar uma cerveja ao mini mercado para acompanhar; no restaurante só há chá ou água da torneira.

Chegamos a Lun a meio da tarde. O chefe do "Ger" onde vamos dormir espera-nos de mota num posto de gasolina na estrada principal. Dali guia-nos ao seu "hotel", um acampamento de 2 tendas com vista panorâmica para um vale irrigado por um rio. Milhares de cabras, vacas, cavalos pastam num silêncio absoluto numa das paisagens mais bonitas e simples que vi nesta viagem.