




Dia 100: 9 Setembro de 2009 – Borisal para Kuakata, Bangladesh
O capitão do "rocket boat" bate à porta da minha cabine às 5h40. Abro e ele diz-me "Good morning Sir! We arrived Borisal! We leave at six." Arrumo as coisas rapidamente e desembarco no pequeno cais de Borisal, uma cidade portuária a sul de Dhaka. É noite cerrada, não há turistas claro... estou no Bangladesh.
Um rapaz a mascar tabaco com uma t-shirt esburacada e queimada do sol cumprimenta-me: "Good morning Sir! Want Rickshaw?" Estou demasiado sonolento para pensar, ler as páginas copiadas do Lonely Planet ou andar pelas ruas lamacentas de Borisal à procura do autocarro para Kuakata. Digo-lhe monossilábico "Kuakata! Bus!" e sigo extremamente desconfortável num riquexo para a estação de autocarros sul, um descampado lamacento e deserto onde dezenas de autocarros ferrugentos exibem os seus destinos em Bengali. Olho para o rapaz do riquexo e pergunto-lhe qual deles vai para Kuakata
"Which bus goes to Kuakata?"
ele responde "Yes Sir! Bus!"
"Which bus?"
"Yes Bus!
Desisto, pago-lhe 50 takas (50 cêntimos) e vou a uma das barracas de estrada perguntar.
Mais tarde embarco num autocarro lotado. Toda a gente olha fixamente para mim. Homens brancos no Bangladesh são uma raridade. É o acontecimento do dia num país que vê apenas algumas centenas de turistas por ano.
Seguimos para sul numa estrada asfaltada pelo meio dos campos alagados de arroz. Vejo uma placa a dizer "Kuakata 97 km" o que me faz questionar o Lonely planet que diz que a viagem demora 4 a 5 horas. A esta velocidade nesta estrada não devemos demorar mais que 2 horas. A resposta a este enigma revelou-se uns 20 km a sul de Borisal.
O Bangladesh é o país onde desaguam o rio Ganges e o rio Brahmaputra, dois dos maiores rios da Ásia cujos estuários ocupam grande percentagem da área total do país. Na altura das monções os rios funcionam no máximo do caudal e toda a área do estuário fica alagada. As monções são entre Julho e Setembro, ou seja, agora.
Passamos a cidade de Patuakhali e a estrada termina no que me parece ser um cais. Um rio interrompe a estrada e o autocarro pára. Ninguém sai... Na outra margem um cais semelhante, no rio um barco a libertar um fumo negro denso, transporta um autocarro, um tractor e várias motas. É o ferry que faz a ligação entre margens. Atraca no nosso cais, a "carga segue caminho" e nós subimos ao barco plataforma. Uns 300m depois estamos à outra margem e continuamos para sul. Tivemos sorte pois o barco sai quando tem carga suficiente, isto é, quando não cabe mais nada.
Mais 10 km para sul novo ferry; desta vez parado na margem sul. Aqui todos os passageiros do autocarro saem para conversar e beber chá nas barracas de estrada. Saio tambem. Sou a novidade da vila. Especialmente as crianças que correm para me ver e ficar a olhar fixamente. Vários rapazes abordam-me para me perguntar a nacionalidade das mais diversas formas: Country? Address? Nationality? Where from? Alone? O motorista do autocarro oferece-me um chá e com um tom de orgulho apresenta-me à plateia como amigo dele.
O barco chega e embarcamos. Mais uma travessia e mais alguns km até ao novo ferry. Percebo as 4 ou 5 horas e duvido que consigamos.
Novo cais, nova espera pelo ferry. Aqui conheço um rapaz que vai de moto para kuakata e oferece-se para me levar "faster than bus". Já só faltam 25 km e de moto posso parar quando quiser para tirar fotos. Aceito e apanhamos um barco mais pequeno que tranporta passageiros e motos, sem ter que esperar pelo ferry dos carros.
Montado em cima da moto sabe-me bem ter saído daquele autocarro lento, lotado e húmido. Paramos para tirar fotos e reparo numa nuvem negra que se aproxima. Não passam sequer 5 minutos e começa a chover torrencialmente. A monção na sua fúria máxima. Guardo tudo o que é electrónico dentro dum saco estanque. Visto o impermeável para perceber que não é assim tão impermeável. Foram necessários apenas mais 10 minutos para ficar completamente ensopado. A estrada, agora de terra batida torna-se um lamaçal e tenho que sair da mota para não atolar... porque é que não fiquei no autocarro...
leituras: Alvin TOFFLER "Future Shock"